Ser feliz demanda esforço


A literatura de autoajuda pode ser encontrada onde menos se espera – por exemplo, num site como o Cracked.com, que é aquele repositório de extrema nerdice e cultura inútil, onde aprendo mais história e neurociências do que em toda a minha época de escola (pensando bem, não aprendi neurociências na escola). Mas não é surpresa, certo? Eu já tinha falado aqui que até a revista Superinteressante pode ser pauta para autoajuda – porque tem a ver com neurociência, com comportamento. Um artigo sobre ‘como seu cérebro pode te enganar, te fazendo sentir miserável’ pode ser pura autoajuda, se você for dessas pessoas que encaram TUDO de forma positiva, como aprendizado, inclusive o tempo que você perde bundeando na internet.

Tá lá:

5 – Seu cérebro se apega às coisas ruins

Aquele clássico do marketing: você é habitué de um restaurante, vai diariamente durante anos, e UMA vez que você é destratado, você passa a odiar o estabelecimento, como se as boas experiências não tivessem acontecido. Você ama sua mulher, existem um milhão de motivos pelos quais você está com ela, ela te dá amor, carinho e faz café, mas UMA vez que vocês brigam é suficiente pra você dizer “você não faz nada pra mim”. Todos te acham linda, incrível e diva, mas você acha que está gorda. Já viu isso antes?

Parece que é isso mesmo: nossos cérebros se apegam muito mais às experiências ruins do que às boas. Cerca detrês dezenas de pessoas interagem com a gente todos os dias, mas basta UM de mau humor pra nos contagiar.

Aparentemente, é uma particularidade evolutiva: a gente foca no ruim porque é o ruim que pode nos matar – logo, isso seria uma espécie de autodefesa.

E a autoajuda, onde entra?

Sabendo dessa armadilha, quem sabe a gente se deixe enganar menos por ela. Quem sabe a gente se deixe afetar menos pelas pessoas e situações negativas – assim, nós mesmos deixamos de levar situações negativas aos outros. Quem sabe.

4 – Matar pensamentos negativos apenas os torna mais fortes

Essa você já conhece, né, leitor de autoajuda? Quanto mais você pensa que “não vou me estressar”, mais você pensa em estresse. Quando você diz “não vou engordar”, seu cérebro lê “engordar”, e aí já viu. A afirmação negativa não deixa de ser uma afirmação. Evitar pensar no desagradável faz com que você pense no desagradável.

E agora?

E a autoajuda, onde entra?

Não pense. Viva. Evite pensar nos seus problemas, ruminar seus problemas, reclamar da vida. Concentre-se em RESOLVER sua vida. Tá ruim? Em vez de dizer “eu não ganho tão bem quanto fulano”, “eu não tenho um emprego que eu gosto, vou beber pra esquecer meus problemas”, que tal dedicar seu tempo livre a trabalhar no que você gosta, fazer um portfólio no que você gosta, focar em resolver a sua vida, ao invés de reclamar – e, assim, se sentir mais miserável, porque só consegue focar na parte negativa da vida?

E se você é realmente adepto da autoajuda e precisa das afirmações pra se manter focado nos seus objetivos, vale aquela dica do “estou em processo de”, certo? Eu sei que você sabe que dica é essa.

3 – Tristeza vicia

Segundo a Cracked.com (ou melhor, segundo as pesquisas que eles usam para embasar os artigos), tristeza vicia. Nosso cérebro sente prazer na tristeza – e aí a gente remói, remói e prefere se afundar nela do que sair.

E a autoajuda, onde entra?

Agora que você sabe qual é o mecanismo, que tal viciar em endorfina vinda de um esporte, por exemplo?

4 – A gente prefere se sentir infeliz do que não ter certeza

Essa também é óbvia, não? conforme ficamos mais velhos, não queremos nos arriscar – provavelmente porque quando somos mais velhos é mais difícil arrumar um novo emprego, regenerar ossos… e provavelmente tem alguém que depende da gente.

E a autoajuda, onde entra?

Entra aqui, gente. Porque isso é BALELA. Quer dizer, nem tanto – de fato, as coisas são mais difíceis quando somos mais velhos. Mas não impossíveis. Nada te impede de tomar um passo arriscado, se é pra você não viver infeliz. Claro que não é tão mais fácil do que quando você era jovem, mas com um pouco de planejamento é possível se arriscar, sim, se o objetivo é não viver uma vida de infelicidade permanente.

Entra também nos estudos que o site usa para embasar este item: sim, existem pessoas em cujo universo não existe amor, compreensão e a possibilidade de uma vida feliz. Se esse não é seu caso, autoajuda até vai. Se este é seu caso, recomendo terapia, amigão. Porque amor, ser compreendido e levar uma vidinha bacana está ao alcance de TODOS no mundo. TODOS. O que você precisa é de uma ajudinha (provavelmente profissional) pra enxergar isso.

5 – Ser feliz demanda esforço

Por fim, o item mais óbvio de todos, mas quando a gente está no loop mental da depressão, a última coisa que a gente quer é SAIR dela. O cara que escreveu o artigo da Cracked dá logo aquele TAPA na cara: visualize uma pessoa feliz. Agora visualize uma pessoa deprimida. A pessoa feliz está correndo ao ar livre com um cachorro, sei lá. Tá na praia, tá com os amigos. A pessoa deprimida está chapada no sofá, enchendo a cara de vodka ou de sorvete, comendo, vendo alguma reprise na tevê e…

E a autoajuda, onde entra?

Está deprimido?

Saia do loop. Sim, sair da depressão demanda esforço. É muito mais cômodo ficar trancado em casa um dia inteiro sem fazer nada, mas pense que as pessoas felizes FAZEM coisas. Você passa sua vida inteira fazendo coisas chatas para OUTRAS pessoas, e seu ideal de final de semana é simplesmente não fazer nada?

Você caiu na armadilha do seu cérebro. Você não vai fazer nada, e vai emendar em mais uma semana fazendo algo chato para outras pessoas. Você não vai fazer nada de realmente prazeroso – esse “prazer” na ausência de coisas chatas que seu cérebro sente é uma armadilha – é MUITO mais prazeroso sair de casa, fazer coisas legais, praticar um esporte, fazer coisas que você sente prazer em fazer (sim, eu sei que você gosta de andar de bicicleta, gosta de ir à praia. eu sei que você tem hobbies, você toca um instrumento, você desenha, você escreve. você se sente feliz fazendo isso e seu cérebro ganha uma descarga de endorfina das boas). Isso é ser feliz. Mas ser feliz dá trabalho – tem que levantar, calçar um tênis, tem que se esforçar pra sair do loop ‘trabalho todo dia, fazer nada no fim de semana’.

Pois saiba que FAZER coisas que te fazem bem pode te tirar desse loop e tornar seus dias muito mais suportáveis.

Calça um tênis e vamos caminhar, vai.

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