No finalzinho dos anos 70, muito antes de ter ideia sobre qualquer coisa, fui amplamente registrada em Super 8 e fotografia, aquela, sim, que precisava revelar. Tenho memórias muito claras dos meus primeiros dois ou três anos de vida, das quais não me lembro, mas são vivas por causa dos registros em foto e vídeo dos meus primeiros anos. Por força do trabalho do meu pai, e porque quando se trabalha com cinema, se trabalha também nos fins de semana (e dá pra envolver as crianças), tive contato muito cedo com latinhas de filme, com acervos de audiovisual, com aquele mesmíssimo poster de ‘A idade da terra’ que adorna uma das salas do CTAv.
A gestalt se fecha quando, no trabalho, sou recrutada pra cobrir a inauguração de um projeto que envolve paixões e esforços de pessoas com quem trabalhei em fases tão diferentes da vida, e que tanto respeito. Voltar lá não mais como a mocinha curiosa querendo saber como funcionava tudo (e voltando cheia de flipbooks pra casa), mas adulta e já sabendo até o que não devia (ah, o fabuloso mundo da política!). Rever salas e pessoas que eu via em contra-plongé, agora do alto de 1m65 de altura. Ver ali, pronto pra funcionar, o que conversei com Ines, com Hernani, com Leopoldo. Ver a homenagem a Gustavo Dahl. Ver que finalmente se dá a devida importância à preservação de acervos nesse meio. Por acervos, falo de fitas mesmo. Em película, magnéticas, que seja: aquelas que você pega na mão, vê onde está o defeito e DESAMASSA. E LIMPA. E olha que lindo: junto com o prédio, vêm também cursos de preservação, de operação de projetores 35mm. E isso é lindo.
Uma coisa que, se você acompanha o que escrevo, talvez você já saiba, é que sou uma espécie de elo perdido entre a tecnologia digital e a analógica. Que apesar de ser a nerd da casa, ou de onde quer que esteja, ainda duvido da capacidade de preservação de materiais digitais – porque vejo com meus próprios olhos disquetes que não podem ser mais lidos com apenas quinze anos de existência, em contraponto a livros, discos e filmes em mídias físicas que, com apenas uma limpezinha, estão prontos para uso. Acho a digitalização uma mão na roda, mas preciso constantemente trabalhar o desapego, sabendo que um dia todas essas fotos, textos e filmes não vão servir de legado para ninguém. É complicado, porque cresci filmada em super 8 e fotografada em 35mm. E do mesmo jeito que fitas e filmes construíram minha memória, fitas, filmes, discos e livros constroem memórias de sociedades inteiras.
Com tudo digital, e com tecnologias de difusão mudando tão rápido, quanto tempo pra um filme lançado em 2009 não estar mais disponível de maneira alguma? Quanto tempo para um HD externo com gigas e mais gigas de backup – de informação, de memórias de família, de registros de pessoas em lugares e em épocas – não serem mais reconhecidos pelos computadores de daqui a alguns anos, que provavelmente não terão mais uma porta USB, mas outra coisa?
Já tem músicas salvas em CD que não consigo mais ouvir, porque o padrão ISO era outro, incompatível com versões novas do sistema operacional – mas tenho discos de vinil aqui de pelo menos algumas décadas antes de eu nascer. Já tem livros escritos e salvos em disquetes que só podem ser lidos porque foram impressos e encadernados. Sabe aqueles vídeos em REAL VIDEO? Pois é. Cadê? Mas os filminhos em película ainda estão aqui – até digitalizados, até na internet, mas com sua matrizinha ali, se der algum problema ela é restaurável por quem sabe.