Um relato de parto


Diana hoje tem quatro meses e uns dias. Estamos saudáveis, minha bebê que nasceu pig está uma porpetinha, estamos nos conhecendo melhor e eu estou realmente aprendendo a decifrar seus códigos. Que bebê mais cheio de personalidade, essa minha filha.

Eu queria parto natural hospitalar, mas sem radicalismos: tudo bem cesárea, desde que fosse uma indicação clínica real, para preservar nossas vidas. Desde que não rolasse episiotomia, tô de boa. Me enchi de informações, passei por um processo de educação para o parto com minha querida doula Luana Gonçalves, fui acompanhada à distância pela amiga de longa data (e também doula) Mari Noronha e estava tudo certo: como não conseguiria pagar a equipe da minha obstetra (que o plano não cobria), eu iria para o CHN, aqui em Niterói, com a equipe do plantão mesmo. Como segunda opção, o Hospital Icaraí com a obstetra daqui de Niterói, caso a cesárea fosse necessária.

Só que minha pressão estava subindo demais nas últimas semanas de gestação. Eu, inchada, não tinha mais tornozelos. A GO daqui de Niterói pediu o exame de proteinúria 24h, que deu negativo. Mal sabia eu que era pré eclâmpsia, sim (confirmada depois do parto) – apesar da ausência de proteína na urina.

Continuamos tentando controlar a pressão com medicamentos e regulando a alimentação. Como uma gestação pode durar até 41-42 semanas, tirei uma semana de licença pra relaxar um pouco com 35 semanas, e só pararia de trabalhar lá pela semana 39 – tudo certo, tiraria mais uma semana de atestado (pra não entrar pelo inss) e caso tivesse que esperar mais uma ou duas semanas, descontaria da licença maternidade mesmo.

Com 37 semanas eu não tinha mais a menor condição de ir pro Rio diariamente, mas estava decidida a aguentar até as 39 semanas. Não aguentei. No dia 26 de julho, com 37 semanas exatas, a GO me encaminhou para uma cesárea de emergência porque mesmo tomando Metildopa a pressão estava nas alturas. O inchaço nas pernas estava surreal, cheguei a 98kg, com MUITO líquido retido.

Fui avaliada pela equipe de plantão do Hospital Icaraí e me mandaram voltar para casa, mas voltei com a indicação de três dias de repouso, e uma consulta marcada com a GO na segunda (31), onde avaliaríamos a necessidade de uma cesárea – provavelmente no dia seguinte. Com pressão alta não se brinca.

Talvez eu não tivesse aguentado esperar até terça. Diana sabia disso, e na madrugada de sábado para domingo (30 de julho de 2017, 37+4) acordei em cólicas – que vinham de seis em seis minutos, mais ou menos. Eu sei porque fiquei monitorando e anotando tudo no Evernote (#mamaenerd). Mandei mensagem para a Luana, minha doula querida, avisando. Podia ser pródromo, comecei a monitorar, umas 7h fomos para o hospital, 1cm de dilatação, voltei pra casa.

As contrações foram ficando mais fortes e mais frequentes. Chuveiro. Bola. Enfia a bola no chuveiro. Não passou, não é pródromo. Luana, Beto e minha mãe aqui segurando minha onda, até a hora que senti algo quentinho entre as pernas e OPA CARALHA A BOLSA ESTOUROU, bora pro hospital (por volta das 13h30), já prevendo que quando esse trabalho de parto estivesse mais avançado eu não teria condições nem de atravessar a rua. A Konga ainda pensava como ser humano

Cheguei lá com 4cm de dilatação e bolsa rota sei lá como, já que de casa até o hospital não dava nem 10 minutos. A partir daí, a coisa ficou frenética. Fui pra um ambulatório, a equipe do plantão se comunicando com minha GO (que estava em outra cidade e não ia chegar a tempo), acesso no braço pra tomar alguma coisa que não lembro o que era pra controlar a pressão, contrações aumentando de intensidade, dilatação aumentando, vai ter que ser cesárea a pressão está incontrolável FUÉN FUÉN FUÉN FUÉÉÉÉN, mas pelo menos não vai ter episiotomia, yay!

Eu sei, eu entrei em TP, tive dilatação… nem precisaria induzir! Estava tudo no esquema. Mas esse foi o parto possível pela equipe do plantão do Hospital Icaraí. Havia outra pessoa num trabalho de parto muito menos arriscado que o meu e que estava na sala de parto normal humanizado. E eu não sabia, fiquei sabendo depois, mas Diana estava de face – suspeito que a equipe do plantão do Hospital Icaraí não saiba lidar bem com isso, porque o dr Kal El (não era esse o nome dele, mas era parecido) disse “é, ia ter que ser cesárea mesmo”. Eu sei, não ia TER QUE ser cesárea. Mas foi o parto possível, e o que importa é que saímos de lá as duas com saúde.

Senti nada de dor, suponho que até a hora que me deram anestesia a dilatação (que chegou a 5 no ambulatório) tenha aumentado ainda mais, fiquei acordada o tempo todo, senti um puta alívio quando ela chorou ali na sala de cirurgia, um amor enorme quando botaram ela no meu colo com aqueles olhões abertos como se estivesse muito curiosa “que porreéssa, gente? Quem são essas pessoas?”. Oi, filha. Seja bem-vinda.

Minha mãe me disse “Lia, olhe bem nos olhos dela”. A conexão se fez ali.

Ainda fiquei um tempo numa sala aguardando liberarem o quarto da Unidade de Pós Operatório (um nome fofo para CTI), onde fui monitorada por 24h (sem minha filha, que ficou no berçário, mas o pai podia visitá-la – a internação daria um outro relato, viu?). Desta sala, fiquei na torcida do parto natural da colega (cujo nome não sei) e vibrei quando ouvi o choro forte do filho dela, que me lembrou que nem tudo é cesárea nesta vida e que em breve UMA sala de pré parto humanizado vai ser pouco pra quantidade de mães optando por trazer seus filhos ao mundo com dor, sim, mas com uma recuperação muito mais rápida do que uma cirurgia – e muito mais protagonismo.

Eu e Diana estamos bem. Obrigada. 

Era mesmo pré-eclâmpsia e eu podia ter morrido se esperasse mais. Que bom que minha filha resolveu sair naquele dia, naquela hora. Que bom que a equipe do plantão do Hospital Icaraí fez o que eles sabiam fazer. Depois fui ler o documento do parto e parece que tive “hemorragia severa”. Eita, porra.

Mas que bom, que bom mesmo, que não rolou episiotomia. 😁

* * *

Hoje, quatro meses depois, tenho uma cicatriz quase imperceptível (a barriga está por cima. Haha. Haha. Haha) e uma filha esperta, saudável e que ri pra todo mundo – mas, como boa leonina, curte mesmo é um espelho.

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Ah, gente, não vem cagar regra que “cesárea não é parto”, não. Este é um relato de parto. Ponto. O parto foi meu e eu chamo do que quiser.