A convite do site Cabana do Leitor, fui assistir a “Orgulho, preconceito e zumbis”. Como meu artigo publicado lá não pode ser lido em celulares, a versão extended vai aqui para os amigos.
“Orgulho e preconceito e zumbis” (2016), dirigido por Burr Steers (de “A estranha família de Igby”), é a adaptação para o cinema do livro homônimo de Seth Grahame-Smith e Jane Austen. Sim, está creditado assim mesmo, embora Austen tenha morrido sem imaginar que um dia alguém ambientaria a história de amor entre a independente Elizabeth Bennett e o enigmático Fitzwilliam Darcy no meio de uma invasão de mortos-vivos. E eu gostaria que você entendesse, antes de mais nada, que se o princípio que norteia o filme é “‘Orgulho e preconceito’ no meio do apocalipse zumbi”, você não pode esperar nada no nível de um Martin Scorsese ou de um Stanley Kubrick, nem de longe. Você precisa aceitar a premissa da fanfiction que deu certo, suspender seu crítico interior, pegar aquele combo de pipoca giga e apenas curtir.
A história é quase aquela que conhecemos: quando a mais velha das cinco filhas solteiras do casal Bennett se apaixona pelo jovem ricaço Charles Bingley, a segunda filha, Elizabeth, acaba se envolvendo com o amigo de Bingley, Fitzwilliam Darcy – não sem antes se estranharem um bocado, como acontece com os melhores casais de filmes.
Mas aqui, uma mulher prendada deve entender de música, canto, dança, ser fluente em idiomas, deve ser elegante, ler e, principalmente, ser treinada nos estilos de luta dos mestres de Kyoto (para as de classe social mais baixa, a China) e conhecer táticas e armamentos europeus. Darcy e George Wickham têm patentes militares. E as irmãs Bennett são boas de briga. Especialmente a rebelde Elizabeth, que jamais se casaria com alguém que a obrigasse a guardar as armas.
Girl power à beça
Para quem não tem o menor interesse em mais uma adaptação de romance da Jane Austen mas gosta de filmes de zumbi, o longa não poupa o espectador de miolos, cabeças decepadas e batalhas sangrentas (afinal, o exército inglês se envolve na missão de exterminar os não-mencionáveis), vá sem medo – e leve uns bons sustos. Embora o livro seja uma paródia do romance original, o filme de Steers não é uma daquelas paródias engraçadinhas: a paródia está na premissa, mas o filme é de ação, splatter e, vá lá, romance. Não é comédia – mas rende umas risadas graças à interpretação de Matt Smith (o 11º Doctor Who) como Parson Collins, e graças ao exagero de algumas cenas mais gore.
Para quem espera uma linda história de amor, a linda história de amor escrita por uma das grandes autoras da literatura europeia continua lá, com todos os personagens. Só que às voltas com zumbis. Lide com isso.
Para quem leu o livro e sabe o que esperar, devo dizer que a ambientação de época é bem boa, os figurinos das moças nem tanto (umas calças cigarrette e umas camisas de loja de departamento), e algumas cenas são exatamente como as que você leu (inclusive com a reprodução de algumas das ilustrações de Philip Smiley) – mas há algumas boas surpresas, como passagens do livro que não constam do filme e cenas do filme que não estão no livro – que não vou contar porque você vai ver, mas que tornaram a narrativa mais dinâmica. Sinceramente, esperava bem menos. Afinal, é “Orgulho e preconceito e zumbis”, não era nem pra ser bom – mas, no final das contas, funciona.
E para aficionados por séries, tem Lily James (a Lady Rose MacClare de “Downtown Abbey”), Charles Dance e Lena Headey (Tywin e Cersei Lannister, de “Game of Thrones”), Jack Huston (de “Boardwalk Empire”) e o Doctor Matt Smith, excelente no papel de Collins, o primo mala sem alça que quer casar desesperadamente com alguma das filhas para manter a propriedade em família.
“Orgulho e preconceito e zumbis” estreou dia 25 de fevereiro nos cinemas.
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Mas, Lia, você não vai falar a palavrinha mágica no seu artigo?
Fe-mi-nis-mo.
Afinal, as mulheres são protagonistas do filme e, dentro da história, são empoderadas e muito mais fortes que os homens.
O problema é que, VEJA BEM, o filme é legal. O box office do fim de semana Brasil ainda não saiu para nós, mortais, mas Deadpool ainda está bombando e Dez Mandamentos continua misteriosamente vendendo todos os ingressos, apesar das salas vazias – e eu realmente acho que você deveria ver “Orgulho e preconceito e zumbis” se você gosta de filmes de zumbi OU romances OU adaptações literárias – se gosta de tudo isso, melhor ainda. Mas o principal é que não é um “filme de mulherzinha”. É um filme de zumbis.
Só que a gente precisa sempre lembrar quem é nosso interlocutor. E, neste caso, é o público de um site de cultura pop nerd quadrinhos e filmes de franquia, majoritariamente JOVEM, MASCULINO e NERD, e nem preciso dizer onde isso vai parar, né? Não, não vou dizer. Leia isso, isso, isso e ouça isso (e leia os comentários, que exemplificam muito bem toda a questão).
Claro, tem moças nerds feministas. Claro, tem homens nerds que já passaram dessa fase e, se não desconstruíram seu machismo, estão no caminho (porque casaram com mulheres que não aguentam mais essa merda, porque trabalham com mulheres que cansaram dessa merda, porque têm filhas, primas, amigas e irmãs que cansaram dessa merda ou simplesmente porque leem e se informam). E tem muito, muito garotinho juvenil que tem horror só de ouvir falar em feminismo. “Aiaiai uiuiui, feministas radicais”, “Puxa, que azar, conheci uma mulher e ela era feminazi”, “Partiram meu coração de novo, acho que vou virar um escroto porque mulher gosta de homem escroto”.
Como eu gostaria que esse pessoal fosse ao cinema, nem falei em feminismo, pra não assustar.
Mas o feminismo tá lá, quando Elizabeth Bennett se recusa a casar com o sujeito que exige que ela largue as armas, só pra citar um bom momento da história.
Então, se você é meu leitor assíduo, pode ver “Orgulho e preconceito e zumbis” sem medo, que é diversão garantida.