O resultado seria ‘O Despertar da Primavera’, que está em cartaz no Teatro Villa Lobos, aqui no Rio de Janeiro.
Uma pena que, pelos assuntos cabulosíssimos abordados na peça, ‘O Despertar da Primavera’ não seja indicado para a mesma faixa etária do público-alvo de ‘High School Musical’. O pessoal que curte ver aquelas meninas quicando precisa, um dia, ter contato com o texto de Frank Wedekind (nessa adaptação, uma espécie de High School Musical, aliás, já que retrata um grupo de adolescentes já na época dos exames finais, entre canções e coreografias). Mas se passa na Alemanha, em 1891 – quando a peça foi escrita. E trata de uns assuntos que até eu fiquei meio tensa.
Sim, adolescentes são cheios de hormônios em qualquer época ou local. Mas os alemães do século retrasado precisavam lidar com pais muito mais repressores do que os de hoje em dia. Melchior, o protagonista, lê Goethe e se assume ateu numa sociedade bem religiosa (provavelmente luterana, não fica claro), mas, fora isso, e aí reside a diferença entre ‘O Despertar da Primavera’ e o musical de adolescentes dos anos 2000, os alemães do século retrasado são retratados fazendo tudo o que os jovens de hoje ainda fazem, porque adolescente é cheio de hormônio em qualquer época ou local: eles trepam, fumam, bebem absinto, se suicidam, engravidam, abortam, se masturbam, se assumem gays, cabulam aula, são abusados de várias formas pelos pais (numa sequência deveras perturbadora pra um musical) e falam palavrão – todas as coisas que a Disney jamais colocaria num filme. Lembrei daquele filme do Larry Clark, só que os jovens daquela época eram muito mais bem vestidos.
Aliás, que figurino. Que produção. Os musicais da Franquia Möeller & Botelho já viraram sinônimo de ‘São corny, ok, faz parte do negócio dos musicais, mas por isso mesmo são sucesso garantido. E tem a produção esmerada’. Pra você ter uma ideia, não conhecia a história e ainda perdi o começo da peça. Deixa eu me situar: nomes em alemão. Check. Figurinos remetem ao final do século retrasado. Check. Vocês não me enganam, estudei arte na escola, na faculdade e trabalhei com produção de arte pra tv: o olho pra reconhecer épocas (retratadas *e* de produção, já que cabelos e biotipos mudam) fica cada vez mais treinado – mas isso só é possível quando a ambientação realmente remete à época. ‘O Despertar’… passou nesse quesito com louvor.
O combo ‘cenografia + iluminação’ é outro capítulo à parte: um mínimo de elementos e um máximo de informações passadas e ambientações perfeitas. A arquitetura e acústica do Villa Lobos favorecem, mas… cenógrafo, iluminador e equipe estão de parabéns.
Já as letras das músicas… ok, vamos dar todos os descontos possíveis: é um texto alemão do século retrasado sobre sexo, drogas, rock’n’roll e rebeldia adolescente, ou seja lá o que isso queria dizer na época, adaptado para um musical da Broadway e, por fim, traduzido para o português numa adaptação dos mesmos caras que fizeram o musical sobre Burt Bacharach. Descontos dados, corram para o teatro, corram.
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A mocinha da peça tem dezetantos anos e, por causa de sua criação religiosa no século retrasado, não sabe como são feitos os bebês. Curiosamente, a geração atual de adolescentes web-safe, com acesso à informação e diálogo muito mais aberto com os pais, continua não sabendo (o pessoal continua engravidando antes de arrumar emprego, até onde sei). E, aparentemente, os adolescentes descerebrados retratados em filmes, séries e livros de hoje em dia parecem saber menos ainda – e não dá nem pra culpar a criação repressora e a sociedade disciplinar de antigamente…
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Quem estiver no Rio de Janeiro, assista. Quando a peça estiver na sua cidade, também. Tem informações detalhadas no site – que, aliás, faz o dever de casa bem direitinho também, com link para vídeos no Youtube, Twitter e o site de Möeller e Botelho, excelente fonte de informações sobre esta e outras produções da dupla.
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O passeio ontem foi registrado pelo Victor Pencak e pelo Bruno Pimentel, da Agência Frog, responsáveis pela excursão nerd, aqui.