Da série: “Querido Diário”
Amidalite, pra variar
O domingo tedioso terminou cedo, e a segunda-feira tinha tudo para começar tarde, mas não deu: oito horas da manhã e acordei com um bafo horrível vindo no meu nariz. Olhei em volta, apenas meus travesseiros. Veio o paladar, então, de um puta gosto de rato morto – estranho, não fumo, não bebi. Naquele estado de semi-consciência, dei aquela engolidinha em seco, já sabendo o que me esperaria: a garganta doía demais. Conheço isso, já sei o que vem por aí, corri para o espelho e vi minhas amídalas transformadas em duas grandes bolas de pus podre. Nojento, porém humano. Passaram-se poucas horas entre a enrolação em casa e a visita ao otorrino, que ficou impressionado com o fato da inflamação estar em estágio avançado e não ter dado nem uma dorzinha de garganta de aviso – poucas horas, sim, mas suficientes para dar vômitos, dor no corpo, dor de cabeça, febre e todas aquelas mazelas que fazem a gente quase querer voltar para a casa dos pais, ou, pior, querer casar para ter quem cuide.
Doutor olha meu histórico, uma otite agudíssima em outubro passado e algumas amidalites antes disso, examina, fala em edema, em estado grave, estresse, má alimentação e baixa imunidade, e faz aquela enquete (“tem alergia a medicamento? tem problema com injeção?”) ao que prontamente respondo, “ah, doutor, quem tem quatro tatuagens não tem o direito de ter problema com injeção”, “ótimo, porque vou te passar uma injeção de antiinflamatório”.
Amarelei, implorei pela via oral e assim será por quatro dias, combinado com uma semana de antibiótico. Ganhei também um atestado médico com a recomendação de não fazer esforço e não trabalhar. Ah, segunda-feira!!
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Isso me faz lembrar daquele livro, “Diário de um adolescente hipocondríaco”. Disfarça que, durante muito tempo, mesmo eu já tendo passado da adolescência, foi meu livro de cabeceira.
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Minha primeira amidalite grave foi aos oito anos. Lembro-me muito bem, gordinha, de casaquinho de náilon branco, tomando um remédio muito ruim com gosto de côco. Nunca me recomendaram tirar as amídalas, mas naquela época o otorrino quase me operou as adenóides. “Vai sumir quando ela crescer, pode deixar”. Sumiu nada, e por causa desta praga, até hoje respiro pela boca, o que faz com que tudo passe pela garganta, ferrando as amídalas e causando esse estrago – como o de segunda-feira, que, claro, ainda não passou 100% – tou com uns gânglios inchados até agora, altas urucubacas.
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Depois do cochilo reparador, que me fez acordar não muito disposta, mas bem mais do que pela manhã, descobri que passaria “As Virgens Suicidas” no AXN. Como que por milagre, foi um dos raros filmes que consegui sentar para ver em casa e não dormir até o final – não que o filme seja isso tudo de bom, a capacidade extraordinária foi minha mesmo. Mas até que “As Virgens Suicidas” também não é ruim – só achei meio novela das oito, saca? Desde o começo você sabe que todas as irmãs Lisbon se matam, então quando chega no último bloco e você percebe que só uma cometeu suicídio até agora, você lembra daquela novela que todo mundo se casa no último capítulo, quando o assassino é descoberto e ainda rola aquela homenagem do diretor; e o AXN não faz por menos, mostrando justamente a cena em que os meninos descobrem os suicídios, como teaser nos intervalos. Sem falar na previsibilidade do título, que parece aquelas traduções portuguesas tipo “O culpado era a mãe” para o filme “Psycho”, aqui traduzido como “Psicose”, tradução que entrega bem menos – mas como o título original de “As Virgens Suicidas” é “The Virgin Suicides”, você fica pensando que toda a criatividade que faltou em Sofia Coppola para criar um título decente sobrou nos tradutores brasileiros para seu segundo filme, “Lost in Translation”, aqui perdido na tradução para “Encontros e Desencontros” – filmaço, aliás, que vi há algum tempo, chorei baldes e acho que cheguei a mencionar aqui por causa de “Just Like Honey”, clássico do The Jesus & Mary Chain que, no filme, é a torcidinha da faca (aprendi essa com ele).
Mas “As Virgens Suicidas” não é ruim não, só não é isso tudo, merecedor de prêmios e o cacete. Valeu mesmo pra ouvir “Come Sail Away”, cantarolar junto numas de “eu conheço isso mas não lembro de onde”, reconhecer que na verdade eu conhecia com o Eric Cartman cantando no Chef Aid, e descobrir que a música é do Styx, grupo que eu só conhecia por “Mr. Roboto”, uma espécie de freak show em forma de música. Valeu também pra não reconhecer a Kathleen Turner, embarangadíssima como mamãe Lisbon, e pela fotografia, muito foda.
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Por falar em “Psycho”, no site do Saul Bass (graaaaaande designer!) tem um lancezinho foda: edite sua própria cena do chuveiro. Diversão garantida para seus momentos de tédio.