De como um disco melhora com o tempo, e das datas comemorativas
Às vezes as coisas são assim, né? Lembro de ouvir ‘Pet Sounds’, dos Beach Boys, pela primeira vez aos 17 anos e dizer, como uma herege: “Ah, achei chato.. prefiro a fase bubblegum deles!” – e lembro também do efeito que esse disco surtiu quando ouvi, de novo, aos 22 anos. Lembro de ver ‘Roma’, de Fellini, aos dez anos de idade, e achar chato pra cacete. Lá pelos 19, 20, o filme mudou totalmente. Minha concepção de religiosidade havia mudado, eu já conhecia outras obras do diretor, tudo conspirava para que eu achasse o filme genial. Do mesmo jeito que ver ‘Laranja Mecânica’ aos 15 anos era o máximo, achei o filme fenomenal, e meu grande ídolo na época era um personagem de quadrinhos totalmente psicótico e capaz de protagonizar cenas gratuitas de ultra-violência, como o Alex (lembra de quando o Coringa deixa a Barbara Gordon paralítica? Eu achava o máximo!!), e quando revi o filme lá pelos 22, 23.. sei lá. Esteticamente impecável, certamente muito importante para a época, mas esse tipo de coisa não me toca mais. Não me produziu incômodo, não repetiu o fascínio dos 15 anos.
Se você quer que alguém goste de algo que você julga genial, às vezes faz bem apresentar e esperar.. esperar até que a pessoa descubra no seu timing. Ou não, ok, mas o que quero dizer é que efeitos imediatos são raros. De qualquer forma, nunca desista de apresentar coisas legais às pessoas. O que é bom deve ser divulgado.
Mas então.. Psychocandy.
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No começo, o que achei legal naquele disco foi o fato dele ser todo distorcido e ter guitarras desafinadas e toscas, mostrando que qualquer um pode fazer música. Depois vi que, pra fazer aquilo, não pode ser qualquer um, já que eram melodias simples e lindas ao mesmo tempo, doces apesar daquela distorção toda. Mais tarde, catei as letras e descobri que, aparentemente, falam sobre relacionamentos sem uma sombra de dor de cotovelo – tem que ser muito bom pra falar de amor sem soar nem piegas nem ‘desdenhante’, se é que essa palavra existe. Anos se passaram, meu toca-fitas pifou, larguei pra lá, nunca mais ouvi minhas fitinhas e tinha esquecido o ‘Psychocandy’ até re-ouvir o ‘The Sound of Speed’ com ouvidos de quem já ouviu de tudo nessa vida (tá bom, tá bom, sei que ainda falta muuuuuita coisa) e ainda assim achou que The Jesus & Mary Chain ainda emociona, e ter a brilhante idéia de, já que não vou achar isso por um preço decente tão cedo, por que não procurar no Soulseek?
Procurei, achei e hoje, quase dez anos depois, putz, sabe aquele disco [cliche mode on]que diz tudo o que você queria dizer e traduz exatamente seu estado de espírito[cliche mode off]? Psychocandy hoje é isso. E, provavelmente, o resto da semana.
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No dia da mulher, as pessoas distribuem flores para as mulheres! Flores, cara! Então a idéia é essa, reservar um só dia por ano para amar, respeitar e homenagear as mulheres, não é não? Pode crer que um especial ‘mulheres que fazem história’ vai sair em alguma revista semanal, como se mulher inteligente fosse artigo realmente raro e merecesse destaque ‘só por ser mulher’ – isso é reforçar o preconceito de que as mulheres são inferiores, na minha humilde opinião.
Mas tudo bem, hoje vários suplementos de jornal, telejornais, programas de tevê, blogs e fotologs dedicarão matérias e posts a nós, criaturas adoráveis, manipuladoras, sem visão espacial, descontroladas em época de tpm, não-dotadas de cromossomos y. Apenas lembremo-nos, companheiras, de que não somos especiais, já que existe dia pra tudo, dia das sogras, do índio, dos namorados, das secretárias, dos mortos e até de Santa Genoveva, padroeira dos desastres, cuja existência é comemorada dia 3 de janeiro (fonte: este site genial). Só não existe um dia do homem nem um dia das solteironas, criado especialmente para homenagear a mulherada encalhada – porque as namoradas já ganham mimos e cafunés sempre! Já as solteironas se fodem..
Sobre o Dia do Homem, não sou Charles Foster Kane – uma pena, pois adoraria controlar a mídia local e morrer falando ‘Rosebud’ – mas se eu fosse, criaria um dia do homem só para incentivar a farta distribuição de Cerveja Duff pra galera. Acho que esta é a comemoração ideal, já que a Duff é um símbolo inegável de virilidade!
O quê? É lógico que uma data especial pode ser criada pela mídia assim, do nada, sem nenhum fato histórico aparente!
Veja post meu (ai ai ai, estou ficando repetitiva!) de agosto de 2002, sobre o dia de Maria Cebola, ainda não considerado uma data comemorativa em terras brazucas, mas que substituiria bem o dia das Solteironas, veja só:
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“Madam President, and fellow members, I feel that we girls have been chased for years by the wrong men. Now it’s our chance to chase the right men. Let’s pick out what we want, and let’s go after it!”
“You know, on Earth, a girl would rather die than show her real feelings? We have an old saying: A man chases a girl, until she catches him. How silly. What a silly waste of time. I think if a girl wants a man, she should tell him so.”
(trechos de áudio de ‘Sadie Hawkings Atom Bomb’, do Man.. Or Astro-Man?, achados nesse site com todas as letras das músicas deles)
**Dia de Maria Cebola**
Sadie Hawkins, uma mulher feia, muito feia de Brejo Seco, estava cansada de ter que esperar os homens cortejarem-na. Seu pai, Hekzebiah Hawkins, decretou o Dia de Sadie Hawkins, ou, em português, Dia de Maria Cebola, uma corrida onde as senhoritas solteiras caçavam os rapazes, tendo o casamento como prêmio.
Sadie Hawkins Day pode se orgulhar de ser o primeiro feriado criado numa HQ. Com sua primeira edição dia 15 de novembro de 1937, numa tirinha do Ferdinando, em 1939, o Dia de Sadie Hawkins criado por Al Capp já havia se tornado extremamente popular nos EUA, em celebrações onde as moças se vestiam de caipiras e corriam atrás de seus futuros maridos. Até hoje comemora-se essa data com festa no dia 13 de novembro.
Aqui, a comemoração numa foto de “Li’l Abner”, o musical.
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Blog também é cultura. Acreditem.
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[Update] – Foda.