Assassinando a língua pátria


Eis que hoje foi um daqueles dias – numas de tornar o ambiente um pouco mais propício ao conforto de uma visita recém-operada das vias nasais, resolvi eliminar uma caixa de papelão cheia de papéis inúteis.
Porque, sabe, algumas coisas continuavam encaixotadas desde que me mudei para cá. Por mais que esse apartamento seja da família e eu não tenha a obrigação de sair daqui tão cedo, gosto da idéia de ter tudo encaixotado – ou facilmente encaixotável – para poder me mudar quando quiser. Porque pra uma pessoa desorganizada como eu, vocês não imaginam o inferno que foi guardar centenas de miniaturas de Kinder Ovo, outras centenas de cds, gavetas e mais gavetas de material de desenho e pintura, revistinhas em quadrinhos e tudo o mais. E isso porque estou mais perto dos 30 do que dos 20. Enfim, continuemos;
Aquela caixa de Guaravita com papéis saindo pelos cantos estava me incomodando e pesando no ambiente – isso aí, pesando, num quarto já pesado por conta desses armários pesados de madeira escura. Mas vamos lá, vamos descobrir o que tem dentro, guardar o que interessa e jogar coisas fora – deeeeeussss, como eu tenho dificuldade em jogar coisas fora!!
No meio daquelas revistas de informática com produtinhos obsoletos e cds da America Online, achei uns lances de faculdade. Histórico escolar do primeiro período (!!!), grade das matérias de antes da reforma curricular do curso de Produção Cultural (reforma que quase me impediu de me formar), e uns textos da aula de Oficina Literária.
É, eu era elogiadíssima na aula de Oficina Literária.
Não que eu escrevesse bem. Mas é que eu escrevia diferente. Vejamos: acho que a proposta dessa aula era escrever poesia – e lá vão os alunos do departamento de Artes escrever suas próprias poesias. Na boa? Poesia de artista é foda de aturar. “O Mundo. E o nada. Eu sou o nada no mundo. E o mundo é nada. Nada.” e por aí vai. Isso, quando não querem transgredir achando que transgressão ainda é escatologia. Qualquer moleque fã de South Park é mais escatológico do que o bunda-branca do entojo que é Gerald Thomas. Mas voltemos à minha poesia – eu, que acho que se não tem métrica nem rima, precisa ter sentimento. Se não tem sentimento e você definitivamente não está se sentindo com coração e alma de poeta, precisa de métrica e rima para caracterizar um poema – senão ficam apenas umas palavras soltas e sem sentido. E uma das coisas que mais me irritam (enquanto eterna estudante de arte) é essa falta de limites entre o que é arte e o que não é. Nego acha que TUDO é arte. Não é bem assim. Não vou entrar em detalhes – mas se a sua escola ou faculdade quiser um workshop ou palestra sobre o assunto, me chamem. Diversão e aprendizado garantidos ou seu dinheiro de volta.
Voltando (de novo) ao meu poema, entendam o seguinte: eu não sou poeta. Aliás, acho ‘poetisa’ um termo feio pra caralho – tipo chamar elefanta de ‘aliá’. Não sou poeta porque tenho autocrítica e acho que se eu resolvo expressar sentimentos de forma poética, acabarei caindo na pieguice – ou o que na MINHA opinião, é pieguice – e aí fudeu, acabou a coisa bonita da poesia. Porque o limite entre o bonito e o cafona também é tênue, “A Guerra dos Meninos”, de Roberto Carlos, é um bom exemplo disso.
O fato é que naquele dia eu – que já não sou poeta – não estava com o mínimo espírito de escrever coisas bonitas para emocionar a turma. Então, para caracterizar o poema, optei pela estrutura formal de versos e rimas. O resultado segue abaixo:
Soneto? Que Soneto?
Vou lhe contar uma história sobre um amigo
Amigo que deveria ter sido ator
E sobre quem respondo com imenso ardor
Quando me fazem comentário tão antigo

O mundo jamais pressentirá tal perigo
Contido em tal resposta, causa-lhes torpor
A minha tamanha ousadia em lhes expor
E indagam o que está havendo comigo

Por ainda me servir da velha anedota
Este soneto explicará ao retardatário
Do que se trata essa piada idiota

É apenas um jogo de rimas sumário
Do qual, se fores esperto, tomarás nota
E nunca me perguntarás “Mário? Que Mário?”
* * *
Era isso o que eu tinha pra dizer hoje. Acho que isso é de 1997. Cof cof.

Deixe uma resposta